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Proteção integral às mulheres ainda enfrenta desafios


A ativista pelo fim da violência contra a mulher, Maria da Penha Maia Fernandes, que há 18 anos dá nome Lei nº 11.340/2006, se manifestou, nesta quarta-feira (7), pelas redes sociais sobre o aniversário da legislação que tipificou a violência doméstica e familiar contra mulheres como crime. Em 1983, ela sofreu duas tentativas de homicídio pelo marido, em Fortaleza, no Ceará.

Apesar do reconhecimento dos avanços da lei que atinge a maioridade, a cearense enumera desafios para o reconhecimento, eficácia e consolidação que a lei enfrenta desde sua criação que resultam na realidade dos persistentes altos índices de violência contra as mulheres.

Brasília - Governo do Distrito Federal (GDF) realiza ação na rodoviária do Plano Piloto para informar a comunidade sobre a Rede de Proteção à Mulher e a Lei Maria da Penha (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 Rede de Proteção à Mulher e a Lei Maria da Penha. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Quero destacar aqueles [desafios] que, por serem tão recorrentes, considero os mais graves: à naturalização da violência doméstica em nosso país, as políticas públicas ainda insuficientes em garantir direitos humanos, como vemos nos inúmeros casos de revitimização das mulheres, o que também compromete a aplicação da lei Maria da Plena.”

No vídeo divulgado [ ], Maria da Penha relembrou o dia da sanção da lei, em Brasília, há quase duas décadas. “Eu pensava na minha luta e de tantas mulheres que foram vítimas como eu; e também em todas as consequências disso, como os danos na saúde mental, a perda da autoestima e da confiança, do próprio potencial, a perda da autonomia financeira e da capacidade de sonhar e ter esperança. Também pensei nas crianças órfãs, vítimas invisíveis da violência doméstica. Pensei nas mães e nos pais que perderam suas filhas. Diante de mim, estava aquele documento que representava a emancipação de todas as mulheres.”

Passados 18 anos, a biofarmacêutica diz acreditar no potencial da lei.

“Trago sempre a certeza de que a Lei Maria da Penha é dos instrumentos jurídicos mais eficientes que temos para garantir a dignidade da mulher. E isso não é porque ela traz princípio de proteção à mulher em situação de violência, mas, também, por ser uma lei elaborada como uma política pública de prevenção, proteção, empoderamento e promoção dos direitos humanos, possibilitando acesso à justiça de gênero, à equidade e autonomia para todas as mulheres,” afirmou Maria da Penha.

Ela ainda pediu mais compromisso por parte de toda a sociedade civil e do poder público para mudar a realidade da violência sofridas por inúmeras mulheres no Brasil.

Pela rede X (antigo Twitter), a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves,  comentou a maioridade da Lei Maria da Penha, nesta quarta-feira. “As conquistas são inúmeras, mas ainda precisamos enfrentar a cultura do ódio contra as mulheres. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva investe em segurança e em políticas públicas para uma vida digna a todas as brasileiras.”

Brasília (DF), 24/07/2024 - A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, durante o encontro “Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha - Pela Saúde das Mulheres Negras”, no Palácio Itamaraty. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Mministra das Mulheres, Cida Gonçalves, Foto:  Marcelo Camargo/Agência Brasil

A ministra convocou a população a ajudar e reagir para mudar a realidade da violência de gênero e, em especial, para zerar os casos de feminicídio no Brasil. A meta é o mote da campanha que o governo federal lançará nesta quarta-feira (7), como parte das ações do chamado Agosto Lilás, mês de conscientização e combate à violência contra a mulher, no país.

Histórico da lei

A Lei Maria da Penha é considerada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) uma das três mais avançadas do mundo, entre 90 países que têm legislação sobre o tema.

A criação da lei é consequência da luta da própria cearense e do apoio dado por um conjunto de organizações não governamentais (ONGs) feministas que elaboraram o anteprojeto da Lei Maria da Penha.

À época, a proposta também foi reformulada por um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e discutida em audiências públicas de assembleias legislativas de estados das cinco regiões do país, ao longo de 2005.

O texto final foi enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional. E, após aprovação do projeto de lei pelo legislativo federal, o documento foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu primeiro mandato (2003 a 2006), e batizou a lei com o nome da ativista como reconhecimento da luta de Maria da Penha contra as violações dos direitos humanos das mulheres. A lei entrou em vigor 45 dias depois de publicada no Diário Oficial da União.

A Lei Maria da Penha foi o primeiro caso de cumprimento da Convenção para Prevenir, Punir, e Erradicar a Violência contra a Mulher, a Convenção de Belém do Pará, da Organização dos Estados Americanos (OEA), ratificada pelo Brasil em 1994, e à Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), da Organização das Nações Unidas (ONU).

Lei

A Lei Maria da Penha estabelece que a violência doméstica e familiar contra mulheres é crime.

Especialistas avaliam que o texto inovou ao definir as formas de violência que afetam essas mulheres, no âmbito doméstico: física, moral, psicológica, sexual ou patrimonial

A legislação prevê a adoção de medidas protetivas de urgência para romper o ciclo de violência contra aquela mulher e impedir que o agressor cometa.

Ao proibir as penas leves para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, a lei Maria da Penha altera o Código de Processo Penal para possibilitar ao juiz, entre outros, decretar a prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher; determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.

Caso a violência doméstica seja cometida contra mulheres com deficiência, a pena é aumentada em um terço.

A lei prevê um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial para os casos de violência doméstica contra a mulher e permite prender o agressor em flagrante sempre que houver qualquer das formas de violência doméstica contra a mulher. Além de registrar o boletim de ocorrência e instaurar o inquérito policial (composto pelos depoimentos da vítima, do agressor, das testemunhas e de provas documentais e periciais) e remetê-lo ao Ministério Público, a polícia pode requerer ao juiz, em 48 horas, que sejam concedidas diversas medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência e solicitar ao juiz a decretação da prisão preventiva do agressor.

Com a Maria da Penha, o juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher passou a ter competência para apreciar o crime e os casos que envolverem questões de família (pensão, separação, guarda de filhos etc.). E o Ministério Público é responsável por apresentar a denúncia ao juiz e poderá propor penas de três meses a três anos de detenção, cabendo ao juiz a decisão e a sentença final.

Maria da Penha

Em 1983, a Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte do, então, marido, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros.

O site do Instituto Maria da Penha relata que, na primeira tentativa, Marco Antonio deu um tiro nas costas da biofarmacêutica, simulando um assalto, enquanto ela dormia. Maria da Penha ficou paraplégica, devido a lesões irreversíveis na coluna vertebral e, ainda, teve outras complicações físicas e traumas psicológicos.

Brasília -  Maria da Penha participa da divulgação da pesquisa Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
(Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

 Maria da Penha . Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

À época, o marido afirmou que o episódio teria sido uma tentativa de assalto. Posteriormente, a versão foi desmentida pela perícia policial. Na segunda vez, Marco Antônio tentou eletrocutá-la durante o banho.

O agressor demorou a ser julgado. Nos dois julgamentos do processo contra o ex-marido, ele foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. Porém, a sentença não foi cumprida integralmente. O condenado ficou apenas dois anos na prisão.

Em 1998, o caso ganhou dimensão internacional. O Centro para a Justiça e o Direito Internacional e o Comitê Latino-americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, juntamente com Maria da Penha Maia Fernandes, com o apoio de ONGs brasileiras, encaminharam petição, contra o Estado Brasileiro, à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), sob a alegação de descaso com que era tratado este tipo de violência. Naquela época, decorridos 15 anos das agressões, ainda não havia uma decisão final de condenação pelos tribunais nacionais e o agressor ainda se encontrava em liberdade.

Em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (no relatório nº 54/01) responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra mulheres. O órgão recomendou que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência (doméstica) praticada contra as mulheres brasileiras.

Em 2009, a ativista fundou o Instituto Maria da Penha, com sede na capital cearense. A ONG sem fins lucrativos, que luta contra a violência doméstica contra a mulher, também tem representação no Recife, em Pernambuco.

Em setembro de 2016, Maria da Penha foi indicada para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz.

Em junho deste ano, aos 79 anos, ela recebeu a proteção do governo do Ceará, a pedido do Ministério das Mulheres, devido a fake news espalhadas por grupos de comunidades digitais, em redes sociais, com versões inverídicas sobre as tentativas de feminicídio de 1983 sofridas pela biofarmacêutica.



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